Proposta para a supressão da Passagem de Nível de Arcozelo

Proposta para a supressão da Passagem de Nível de Arcozelo

Uma possível solução para acabar com a problemática passagem de nível de Arcozelo, Barcelos

É amplamente reconhecido o desejo de eliminar a passagem de nível de Arcozelo. Seja para aumentar a segurança de quem a atravessa diariamente, melhorar o fluxo do trânsito ou permitir um incremento na velocidade da circulação ferroviária, é inegável que a sua supressão agrada a todos os interessados.

Barcelos é um dos municípios portugueses com mais de 100 mil habitantes que ainda mantém um elevado número de passagens de nível ativas. Apesar da eliminação de muitas ao longo das últimas décadas, restam 11. Entre estas, encontram-se algumas das mais problemáticas: a que cruza a movimentada Estrada Nacional 204, a sul da cidade, e as perigosas passagens de nível nas freguesias de Aborim e Quintiães. Estas últimas têm até relatos de populares que afirmam que, em algumas ocasiões, as cancelas nem sequer baixam para avisar da passagem do comboio. Contudo, não é nestas que pretendo focar-me, pois nada tenho a acrescentar ao que já foi dito. Quero, sim, centrar a atenção na passagem de nível de Arcozelo, porque acredito ter uma alternativa que não só resolve os problemas inerentes à sua existência, mas também melhora de forma significativa os acessos à cidade de Barcelos.

A Solução Proposta

Uma passagem inferior ou superior, no mesmo local ou ao lado? Nenhuma. A minha proposta é não construir nenhuma passagem, e passo a explicar porquê.

Não é apenas a passagem de nível que é problemática, mas toda a estrada. A via que a Linha do Minho interseta em Arcozelo é a N306, uma antiga Estrada Nacional agora municipalizada, que atravessa todo o concelho de Barcelos de norte a sul. Na sua configuração atual, esta via rodoviária tenta ser duas coisas ao mesmo tempo: uma estrada e uma rua. E, ao tentar desempenhar ambas as funções, falha em ambas.

É uma das principais entradas da cidade para quem se desloca do norte do município e até Ponte de Lima, recebendo, consequentemente, elevados volumes de tráfego diariamente. Contudo, tenta também funcionar como uma rua, carregada de entradas e saídas para habitações e negócios, lugares de estacionamento de rua e uma quantidade excessiva de cruzamentos. Este cenário cria uma elevada concentração de pontos de conflito, o que é completamente incompatível com um trânsito que está apenas de passagem.

Por isso, a minha proposta é que, em vez de construir um viaduto ou túnel no local da passagem de nível, seja construída uma variante que ligue a rotunda do Campo do Andorinhas, na circular urbana, à N306, junto à Igreja das Irmãs Franciscanas. Esta ligação, com uma extensão aproximada de 1200 metros, é ilustrada na imagem abaixo:

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Com esta alteração, seria possível transformar toda aquela zona residencial de Arcozelo numa área mais calma e segura. A antiga N306, que atualmente atravessa essa zona, deixaria de ser uma estrada misturada com rua (Rustrada), e passaria a funcionar apenas como uma rua residencial, como sempre deveria ter sido. Atualmente, esta estrada já não tem capacidade para o elevado volume de tráfego que recebe. Em alguns trechos, não possui passeios, e, onde existem, estão frequentemente limitados a um dos lados.

A nova variante, por sua vez, seria concebida para maximizar eficiência e segurança. Não haveria acessos diretos a casas ou negócios, nem estacionamento de rua. O objetivo seria claro: transportar o maior número de veículos possível, com o mínimo de pontos de conflito, tornando a viagem mais segura e rápida.

A interface com a N306, junto à Igreja das Irmãs Franciscanas, seria realizada através de uma rotunda, já preparada para uma possível extensão futura da variante em direção a norte. Uma vez que para lá desta igreja, a situação da N306 ainda se agrava mais, e o ideal era mesmo desviar o tráfego daqui também. Além disso, seria construída uma segunda rotunda no cruzamento com a Rua Henrique Correia, facilitando os acessos tanto à Avenida Central de Arcozelo quanto à freguesia de Tamel São Veríssimo.

Na interseção da variante com a pequena Rua do Poceiro, poderia ser considerado um acesso adicional à estrada. Contudo, este acesso deveria evitar viragens à esquerda e, idealmente, incluir uma via de aceleração para entradas. Estando este cruzamento entre rotundas, os condutores podem rapidamente fazer inversão de marcha em substituição do movimento à esquerda.

Após a segunda rotunda, a estrada seguiria sem interrupções até à rotunda existente do Campo do Andorinhas, completando assim a ligação com a circular urbana da cidade. A circular encarregar-se-ia então de distribuir o tráfego pelos diferentes pontos de interesse da cidade. Idealmente, este trânsito só sairia da circular já próximo ao seu destino final.

Um bairro dividido?

É claro que não podemos simplesmente fechar as passagens de nível e, assim, dividir ao meio uma comunidade. Por isso, proponho a criação de duas passagens inferiores pedonais que permitam a travessia a pé, em cadeira de rodas ou em outros veículos de mobilidade ligeira, como ilustrado na imagem abaixo:

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Essas passagens inferiores teriam um impacto significativamente menor na envolvência da área e representariam apenas uma fração do custo necessário para permitir a passagem de veículos. A altura do comboio, somada à da catenária, que opera a 25 kV, torna a passagem inferior a opção mais viável. A distância a percorrer para evitar a ferrovia seria muito menor ao optar por uma solução subterrânea, e a altura necessária para acomodar esta infraestrutura é também reduzida, uma vez que não é necessário permitir a passagem de veículos, apenas pessoas.

Dessa forma, seria possível manter a conectividade local, permitindo que os moradores da zona continuem a atravessar a linha férrea sem recorrer a longos desvios. Já as viagens mais longas ou que exijam veículos poderiam ser realizadas pela nova variante. Apesar de percorrer uma distância maior, esta alternativa certamente resultaria em tempos de viagem mais curtos.

Transportes Públicos

A nova variante também deve considerar as necessidades de transporte público. Proponho a criação de paragens de autocarro imediatamente após as saídas de ambas as rotundas, uma vez que esta estrada é utilizada por diversas linhas de autocarros municipais e intermunicipais. Mais recentemente, passou também a ser servida pela linha U3, um serviço urbano de maior frequência e utilização.

Porquê colocar as paragens depois da rotunda e não antes? O espaço antes da rotunda é essencial para manter duas vias de trânsito paralelas: uma para as viragens na primeira saída e outra para todas as demais. Além de estar em conformidade com o Código da Estrada, esta configuração melhora a eficiência das interseções e aumenta a sua capacidade.

Após a rotunda, apenas será necessária uma via de trânsito, o que é suficiente para o fluxo pretendido em toda a extensão da variante. Nesse trecho, o espaço do lado direito pode ser usado para criar a paragem de autocarro, enquanto na entrada é utilizado para uma via extra temporária, destinada a facilitar os movimentos de viragem na rotunda. Afinal, o verdadeiro bottleneck nunca está na largura da estrada, mas na capacidade dos cruzamentos em escoarem o trânsito. Não faz sentido construir uma estrada larga, com múltiplas vias em cada sentido, capaz de acomodar mais de 4.000 veículos por hora, se o cruzamento seguinte só consegue processar 1.000. Isso seria um desperdício de dinheiro, espaço e torna a via mais perigosa.

Porquê optar pela variante

Considero esta abordagem a mais vantajosa, pois adota uma visão mais ampla da rede viária da cidade e do município como um todo, sem se limitar exclusivamente ao problema específico da passagem de nível de Arcozelo. Com esta solução, não só se resolveria o problema da passagem de nível, mas também, ainda que parcialmente, as deficiências da N306, melhorando significativamente a qualidade da rede viária. Algo que, na minha opinião, não seria possível com uma simples substituição da passagem de nível por um viaduto ou túnel.

A responsabilidade e o financiamento das supressões de passagens de nível recaem sobre a Infraestruturas de Portugal (IP), entidade responsável pela gestão ferroviária. Assim, seria interessante articular com a IP e, com base no custo estimado de uma solução de viaduto ou túnel no local, verificar se esses fundos poderiam ser redirecionados para a construção da variante. Afinal, mesmo que esse dinheiro não seja usado diretamente na eliminação da passagem de nível, ele estaria a ser investido numa solução que elimina a sua necessidade desde o início. Caso o custo da variante seja superior, o que é possível, o município poderia assumir apenas a diferença. Ainda que se tratasse de uma solução mais onerosa, o benefício mais do que justifica.

Por outro lado, caso se avance com a construção de uma passagem no local, ignora-se a insuficiência da N306 em atuar enquanto um dos principais acessos à cidade. Pior ainda, isso eliminaria qualquer incentivo para construir a variante no futuro. Afinal, porquê gastar mais uns milhões na construção de uma nova estrada se já foi investido num viaduto ou túnel? Criar redundância seria visto como um desperdício.

Além disso, a construção de um viaduto ou túnel naquela zona, onde o espaço é extremamente limitado, traria inevitavelmente grandes constrangimentos, tanto durante como após a obra. É difícil imaginar um cenário em que fosse possível construir uma infraestrutura deste tipo sem cortar totalmente o trânsito naquela zona durante meses ou mesmo anos, dependendo da complexidade da construção.

Descarto completamente a construção de uma passagem inferior, pois acredito que seria excessivamente cara e complexa de executar, especialmente dada a proximidade de habitações e prédios à estrada. Quanto a uma passagem superior, essa solução agravaria significativamente a qualidade de vida dos moradores. A sua estrutura ficaria ao nível do terceiro piso dos prédios a sul e ainda mais alta que as moradias a norte, comprometendo a exposição solar, a estética da área e, muito provavelmente, desvalorizando as habitações. Ninguém quer ter como paisagem uma parede de betão ou correr o risco, por mais remoto que seja, de um veículo entrar pela janela.

Para Concluir

Barcelos tem e mãos uma oportunidade única para ir além de uma solução imediata e reativa, tem a oportunidade de pensar ativa e estrategicamente no futuro da sua rede viária e na melhoria do seu planeamento urbanístico, que sejamos francos, deixa muito a desejar. A questão da passagem de nível de Arcozelo não deve ser tratada de forma isolada, mas sim como parte de uma visão integrada para a mobilidade urbana, ordenamento de território e da qualidade de vida das pessoas.

A construção da variante proposta não é apenas uma resposta ao problema atual, mas sim um passo decisivo para transformar a forma como nos movemos e vivemos na cidade. Reduzir conflitos rodoviários, devolver a tranquilidade às zonas residenciais e melhorar os acessos são metas alcançáveis com esta abordagem.

O desafio está lançado às entidades responsáveis, Câmara Municipal e IP: ouvir a população, articular soluções com inteligência e coragem, e garantir que cada investimento tenha um impacto positivo duradouro. E não apenas optar pelo caminho mais fácil e imediato, mas garantir que a escolha feita seja, de facto, a melhor para Barcelos, mesmo que isso implique enfrentar alguns desafios e ir além do que é conveniente para um ciclo eleitoral.