As táticas predatórias anti-consumidor de MEO, NOS e Vodafone

As táticas predatórias anti-consumidor de MEO, NOS e Vodafone

As jogadas mais comuns dos três maiores operadores de telecomunicações a operar em Portugal que em nada beneficia o consumidor.

Em novembro de 2024, o mercado português de telecomunicações assistiu à entrada de um novo concorrente: a Digi. Esta empresa romena, já estabelecida em países como Itália e Espanha, chegou a Portugal com uma oferta de serviços marcadamente distinta e muito mais competitiva do que os consumidores portugueses estavam habituados a encontrar na Meo, Nos e Vodafone.

Até à entrada da Digi, Portugal era um dos países com as telecomunicações mais caras da Europa. Em 2022, quando a chegada deste novo operador ainda parecia distante, o preço médio por GB de internet móvel no país era de 3,67 € [1]. Este valor superava o de países como Alemanha, França, Holanda ou Inglaterra, onde o poder de compra é significativamente mais elevado. Mais alarmante ainda, era seis vezes superior ao preço médio em Espanha, o país mais comparável à realidade portuguesa.

Nos últimos meses, os preços médios em Portugal já registaram uma descida significativa, mesmo antes de a Digi influenciar os resultados, situando-se agora em torno de 1,60 €. No entanto, este valor continua elevado, especialmente quando comparado aos preços da Digi, que variam entre 0,08 € e 0,04 € por GB.

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Custo médio do GB de dados móveis na Europa - cable.co.uk

Também no segmento das telecomunicações fixas, as condições oferecidas por estes operadores ficam aquém das encontradas em mercados estrangeiros. A título de exemplo, a Vodafone Espanhola, continua a oferecer serviços mais baratos e variados do que em Portugal, evidenciando a discrepância.

Com algum contexto da realidade portuguesa de telecomunicações, passemos agora às práticas mais comuns que os três maiores operadores em Portugal utilizavam, e em alguns casos, ainda utilizam, que claramente prejudicam o consumidor.

Índice

  • Abuso de fidelizações
  • Cobrança de valores elevados por dados móveis extra
  • Cobrança por falta de saldo
  • Falsos descontos
  • Falsos minutos de chamadas
  • Discriminação por áreas de serviço
  • Forçar serviços indesejados

Abuso de fidelizações

Nos serviços fixos que exigem deslocação de técnicos, com custos iniciais significativos para a operadora antes de receber um único euro do cliente, faz sentido exigir um período de fidelização. É uma forma justa de garantir o retorno do investimento e gerar algum lucro saudável.

No entanto, a mesma lógica não se aplica aos planos móveis, onde a intervenção do operador e o investimento é mínimo. Ativar um novo plano resume-se a clicar em botões e preencher formulários num sistema administrativo, algo que poderia até ser automatizado para reduzir ainda mais os custos. Mesmo em mudanças entre operadoras, graças ao sistema de portabilidade, o processo é simples e de baixo custo.

De igual forma, nos serviços fixos já instalados há vários anos, e sem necessidade de intervenção técnica ou substituição de equipamentos, as operadoras continuam a propor renovações de fidelização, na esmagadora maioria das vezes por dois anos adicionais, sem que nada o justifique. Estas renovações vêm, habitualmente, acompanhadas de uma "redução" no preço mensal — que, na verdade, foi artificialmente inflacionado no final do contrato para criar margem de negociação. Na maior parte dos casos, as operadoras até tentam impor um ligeiro aumento de preço, forçando os clientes a passar longos minutos ao telefone com os call centers para evitar piorar as condições.

No fundo, o uso das fidelizações por estas empresas tem um objetivo claro: prender o cliente pelo maior tempo possível, dificultar a sua saída e maximizar os lucros às custas da sua liberdade de escolha.

Cobrança de valores elevados por dados móveis extra

Em muitos tarifários móveis, era prática comum cobrar valores elevados por dados móveis extra quando o cliente esgotava o plafond contratado, em vez de simplesmente cortar o serviço de internet. Este esquema era especialmente problemático numa altura em que os planos ofereciam pouquíssimos GB de dados, tornando fácil ultrapassar o limite e acabar por pagar mais pelos pacotes adicionais do que pelo próprio tarifário base.

A estratégia servia para pressionar os clientes a fazer "upgrades" para planos mais caros. No entanto, mesmo no plano mais dispendioso, os consumidores continuavam vulneráveis a esta armadilha, já que a quantidade de dados disponível nunca esteve alinhada com as necessidades reais dos utilizadores.

Para se ter uma ideia do desequilíbrio destes planos, com a introdução do 5G, qualquer um dos tarifários podia ser esgotado em apenas alguns minutos de utilização se usado à velocidade anunciada.

Cobrança por falta de saldo

Quando um cliente não carregava o saldo necessário no final do ciclo de faturação, a operadora aplicava uma "multa" diária, debitando pequenos montantes até que o saldo se esgotasse completamente. Só então o serviço era cortado.

Eu próprio enquanto cliente Yorn Vodafone, fui várias vezes vítima deste esquema. Para evitar a "multa" caso me esquecesse de carregar o saldo, passei a garantir múltiplos exatos de 5,35 € — o valor que me era debitado semanalmente. Esta estratégia funcionou durante meses, até que um dia recebi a infame mensagem: "Não foi possível debitar a semanada, retiramos 1 € pelo incumprimento. Novo saldo: 4,35 €."

Após contactar o apoio ao cliente, foi-me sugerido como "solução" passar para faturação mensal com fidelização de 24 meses, ou manter sempre 5,36 € e não 5,35 €. Uma recomendação que só reforça o caráter abusivo desta prática.

Falsos descontos

Durante renegociações para extensão do período de fidelização ou em tentativas de retenção, quando o cliente está prestes a mudar de operadora, é comum serem oferecidas condições aparentemente mais vantajosas, como reduções no preço. No entanto, essas reduções são quase sempre apresentadas como "descontos" sobre a mensalidade base e não como o novo preço real contratado.

Este esquema serviria como uma proteção adicional à fidelização, tornando ainda mais dispendiosa a resolução antecipada do contrato. O cálculo da indemnização seria feito com base no valor sem desconto, criando uma espécie de "algema financeira" para o cliente.

Esta prática gerava situações absurdas, como a de um cliente que pagava 22 € mensais por um plano básico com chamadas e SMS limitados e apenas 3 GB de internet. Apesar disso, a operadora considerava que esse tarifário tinha um valor "real" de 38,49 € [2]. Um plano de 38 € com estas condições seria impensável, completamente desconectado da realidade, especialmente no mercado português.

Falsos minutos de chamadas

Muitos tarifários móveis promovem os seus minutos de chamadas de forma enganadora. Um consumidor que veja um tarifário com "500 minutos para todas as redes", assume que pode efetivamente falar durante 500 minutos. Tecnicamente, isso é verdade, mas na prática não acontece.

O problema está no sistema de contagem. Uma chamada de apenas 10 segundos é contabilizada como 1 minuto, e uma chamada de 1 minuto e 1 segundo conta como 2 minutos.

Para pessoas que fazem várias chamadas curtas, os 500 "minutos" podem esgotar-se numa fração do tempo que seria esperado. Mesmo com uma utilização típica, muito dificilmente alguém conseguirá usufruir plenamente dos minutos anunciados.

Uma situação semelhante a esta acontecia também com a contagem da utilização de dados móveis, que eram também contados como sessões de dados e com arredondamentos sempre para cima a favor da operadora e contra o cliente, que sempre resultavam em contagens bastantes diferentes. Isto é, quando a operadora comunicava que o plafond de dados estava esgotado para o mês, o contador interno do dispositivo indicava sempre uma utilização inferior.

Discriminação por áreas de serviço

No tempo do ADSL, quando o serviço SAPO da PT ainda existia, era bem conhecido que havia dois critérios distintos: quem estava numa "Zona Sapo" tinha melhores preços e condições, enquanto os restantes pagavam mais pelo mesmo serviço. O critério para definir uma "Zona Sapo" não era técnico, mas sim a presença de concorrência, como por exemplo a Clix.

Recorro aqui novamente a um testemunho pessoal. Durante anos, utilizei o serviço ADSL da Sapo, que mais tarde transitaria para a MEO. Não estando numa "Zona Sapo", era obrigado a pagar mais do que quem tinha essa sorte. Além disso, tinha de suportar uma assinatura de telefone fixo — uma taxa fixa, mesmo que não usasse o serviço. Este sistema não tinha qualquer fundamento técnico: estando a menos de 1 km da central, o sinal era ótimo. O preço elevado era apenas resultado da falta de alternativas, já que as linhas telefónicas usadas pertenciam todas à PT, eliminando qualquer justificação para a existência dessas zonas diferenciadas.

Agora, com a entrada da Digi no mercado português, parece que a história se repete. As grandes operadoras criaram sub-marcas para competir no segmento por estas designado de "low cost": a NOS lançou a Woo, a Vodafone apresentou a Amigo, e a MEO reutilizou e remodelou a UZO.

Estas marcas "low cost" oferecem agora serviços similares aos da Digi, com preços significativamente inferiores aos das marcas principais. Contudo, rapidamente surgiram relatos de clientes que, ao tentar aderir a estas alternativas, eram impedidos sob o pretexto de "falta de cobertura". Curiosamente, esta "falta de cobertura" coincidia com as áreas onde a Digi ainda não estava presente. Em alguns casos, mesmo clientes com fibra instalada e ativa descobriram que a sua morada já não tinha cobertura [3]. A marca justificou a situação com uma "reestruturação da cobertura" e que era normal já ter tido cobertura mas agora não ter [4].

Tendo conhecimento destes relatos, fui eu próprio verificar se acontecia o mesmo na minha zona, e o que constatei foi cobertura total de fibra de todas as três operadoras tradicionais que me permitiam contratar os pacotes mais caros, mas nenhuma das sub marcas estava ainda disponível. Curiosamente, constatei que a Digi também não oferece cobertura nesta zona. [5].

Por agora, resta aguardar para ver se estas práticas serão esclarecidas ou corrigidas. No entanto, tudo indica que a velha estratégia da "Zona Sapo" está novamente a ser utilizada.

Forçar serviços indesejados

O telefone fixo é talvez o exemplo mais evidente desta prática. As três principais operadoras oferecem pacotes com três serviços básicos: Internet, Telefone e Televisão. Embora seja possível adicionar planos móveis, durante muito tempo era praticamente impossível conseguir contratar menos que isso. Em alguns casos seria possível remover a televisão e ficar apenas com Internet e Telefone Fixo, mas nunca compensava, os preços eram praticamente iguais.

O curioso é que, para a maioria dos clientes, o telefone fixo é praticamente inútil. Num contexto doméstico, quase ninguém o utiliza, já que quem precisa de contactar ou ser contactado recorre ao telemóvel. A insistência em incluir o telefone fixo num pacote que o mercado claramente rejeita é difícil de justificar.

Outro grupo que sofre/sofreu com esta imposição é o das pessoas que, além de dispensarem o telefone fixo, também não necessitam de televisão por cabo. Em Portugal, existem canais de televisão gratuitos em sinal aberto, que são suficientes para quem assiste a pouca televisão. Ainda assim, estas pessoas são obrigadas a pagar por um serviço que não querem.

E este serviço de televisão não é barato. Os pacotes base incluem sempre mais de uma centena de canais, encarecendo os custos de licenciamento, e vêm acompanhados de funcionalidades como gravações automáticas e equipamentos como smart boxes Android, que também aumentam ainda mais os custos.

Embora menos comum do que a rejeição ao telefone fixo, este grupo de consumidores merece atenção. Quem não quer televisão deveria ter a opção de contratar apenas Internet e beneficiar de um desconto na mensalidade, já que o serviço de TV é uma despesa significativa nestes pacotes.

Além destes dois exemplos que representam a maioria dos casos,  existem também situações em que os consumidores são presenteados com extras supostamente gratuitos e incluídos na mensalidade, como subscrições de serviços de streaming de música ou vídeo que vinham junto com qualquer que fosse o serviço de telecomunicações que tivessem contratado. Das duas uma, ou estes extras não são de todo gratuitos e são responsáveis por inflacionar a mensalidade desnecessariamente, ou quem os vende está à espera que, uma vez terminado o período da oferta, o cliente passe a paga-lo sem reparar, o que muitas vezes acontece.

A estratégia parece ser acumular o máximo de "vantagens" possível para justificar os preços elevados, muito superiores aos praticados por operadoras noutros países, e os sucessivos aumentos numa altura em que se verificava uma tendência contrária no resto da Europa [6, 7].

Conclusão

Estas são as práticas mais comuns e generalizadas entre as principais operadoras de telecomunicações em Portugal que consegui reunir até à data. Embora existam outros casos onde os consumidores foram prejudicados, estes tendem a ser mais pontuais e excecionais. As práticas aqui descritas, por outro lado, tornaram-se tão comuns que acabaram por ser vistas como banais no setor.

Com a entrada da Digi no mercado, uma mudança significativa já se faz sentir. Desde a sua chegada, os preços têm vindo a descer, as condições melhoraram, e surgiram novas marcas "low cost" como resposta direta. Estas transformações apontam para um mercado finalmente obrigado a adaptar-se às reais necessidades dos consumidores.

A Digi parece ter interpretado com precisão os maiores dificuldades dos clientes portugueses e apostou em corrigi-los com uma abordagem clara e disruptiva, distanciando-se deste tipo de práticas.

No entanto, nem tudo são boas notícias. À data de publicação deste artigo, o serviço da Digi ainda está numa fase inicial, com algumas lacunas importantes, como a ausência de áreas de cliente para gestão de contas, roaming nos planos móveis, ou um serviço de TV completo com as tradicionais smart boxes. É uma operação que se encontra numa fase embrionária, e é esperado que, com o tempo, estas questões sejam resolvidas.

Ainda assim, o impacto desta nova concorrência já trouxe benefícios palpáveis. É de esperar que, com uma oferta mais variada e preços mais competitivos, o maior beneficiado continue a ser o consumidor. Resta aguardar os próximos desenvolvimentos, mas, por enquanto, o mercado das telecomunicações em Portugal parece finalmente caminhar para um futuro mais equilibrado, justo e alinhado com o resto da Europa.

Fontes:

  1. Cable.co.uk
  2. Relato de um cliente de 25 anos na mesma operadora que mudou para a Digi (22€ -> 4€)
  3. Cliente com fibra woo descobre que deixou de ter cobertura na sua morada
  4. Agente de suporte da Woo a confirmar remoção de cobertura
  5. Teste de Cobertura nas marcas principais vs Sub Marcas
  6. Preços nas telecomunicações sobem 6,5% em Portugal e descem 10,8% na UE em 11 anos
  7. Preços das telecomunicações subiram 7,7% em Portugal enquanto na UE caíram 10%